Espiritismo Midiático

por Marcelo Miranda


     A proliferação das mídias e a reprodução técnica em larga escala começavam a transformar as práticas sociais, na França, no século 19. Neste contexto nasce o Espiritismo em 1857. É uma das poucas doutrinas que surgiram simultaneamente ao advento da mídia e ao uso expandido das tecnologias voltadas à comunicação.

     A primeira mídia, a rigor, é o corpo - e por isso chamamos o corpo, portanto, de mídia primária.    O contato entre o mundo material e o mundo espiritual, na Doutrina Espírita, ocorre por meio dessa mídia primária que é um instrumento de mediunidade. Diante disso, pode-se considerar que a coincidência do termo medium abrasileirado do latim em médium para os espíritas e em mídia para o conceito de meio de comunicação não é superficial. Há uma coincidência histórica entre mídia e Espiritismo.  

     Mas o que é mídia? Midiático? Mídia significa meio. Vem do latim, medium, que em português é médium. Passando pelos Estados Unidos, retornou ao espaço latino com pronúncia americanizada e se transformou em escrita. Então, no Brasil, passou a ser mídia, transcrição da pronúncia inglesa para o plural latino de medium, que tanto em latim quanto em inglês se escreve media.

     O livro também é uma mídia e é por meio dessa que Allan Kardec, pedagogo Hippolyte Léon Denizard Rivail, professor e autor de obras educacionais, apresenta ao mundo, em Paris, a nova doutrina em O Livro dos Espíritos, em 18 de abril de 1857.


A Revista


     E, para divulgar o Espiritismo, Kardec também recorre ao jornalismo com uma série de publicações da Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, de 1858 a 1869, onde o francês divulgou textos complementares, mensagens psicografadas e notícias da onda espírita pelo mundo.

     A Revista Espírita serviu de ensaio do codificador para a elaboração de novas obras e contribuiu para a difusão da Doutrina Espírita. É considerada um registro de informações sobre as primeiras instituições espíritas e o desenvolvimento inicial do Movimento Espírita.  É um clássico fundamental para entender o pensamento e o trabalho de Kardec.

     É considerada o intercâmbio de espíritas e simpatizantes de várias partes do mundo e serviu como laboratório experimental para as obras e projetos futuros de Kardec. Ele buscou ajuda de amigos para veiculação do periódico, mas não conseguiu e teve que redigir e publicar o primeiro e os demais números por conta.

     Na biografia de Kardec, o autor Marcel Souto Maior diz que, antes de tomar a decisão sobre a publicação da revista, o codificador relia a mensagem do Espírito de Verdade sobre sua missão: “Não acredites que te seja bastante publicar um livro, dois, dez livros, e estares sossegadamente em tua casa. É necessário que te mostres no conflito.”

     A publicação de O Livro dos Espíritos já era um sucesso, mas muitos adeptos eram perseguidos, mandavam cartas com muitos relatos. Como difundir as mensagens do mundo invisível vindas de todos os cantos, pelas mãos dos mais diversos médiuns? Ele consultou os conselheiros espirituais. E o aval veio do Além: “a ideia é boa”. E também conselhos editoriais para atrair o público:

De começo, deves cuidar de satisfazer a curiosidade; reunir o sério ao agradável: o sério para atrair os homens de ciência, o agradável para deleitar o vulgo. (...) Em suma, é preciso evitar a monotonia por meio da variedade, congregar a instrução sólida ao interesse geral. (Marcel Souto Maior – Kardec: a biografia, p. 108)


Mensagem dos Espíritos sobre a Revista Espírita

 

     Em todo o Velho Continente circulava apenas um jornal espiritualista, O Journal de l’âme, editado em Genebra. No entanto, nos Estados Unidos já havia 17 publicações sobre o mundo invisível. Kardec pensou em um só número para experiência. “Um só número não bastará. Move-te e conseguirás.” Responderam os Espíritos Superiores.


Kardec sozinho


     Kardec não conseguiu apoio financeiro. Bancou sozinho a impressão dos primeiros exemplares sem ter nenhum assinante ou investidor. Escreveu todos os artigos da nova publicação mensal que começou a circular em 1º de janeiro de 1858 com o subtítulo na capa “Jornal de Estudos Psicológicos’’. A explicação de Kardec: “Estudar a natureza dos espíritos é estudar o homem, pois ele um dia participará do mundo dos Espíritos.’’  

     Sem tornar públicas as identidades, o próprio Kardec cadastrava os leitores e listava suas profissões. Havia oficiais generais, magistrados, negociantes, funcionários públicos, médicos. Seis meses depois do lançamento já havia conquistado assinantes em toda a Europa e até outros países, como Estados Unidos, México, Canadá e Moscou.

     A revista também servia para responder as acusações de vários antagonistas do Espiritismo. Kardec lamentava o tratamento reservado pela imprensa, já que tinha muitos jornalistas, partidários sinceros da nova doutrina, a esconderem sua fé. Alguns, inclusive, eram assinantes da Revista Espírita.

     Mas Kardec também recebia reconhecimento de antigos críticos que elogiavam a ‘’profundeza e lógica”, como o Sr. Jobard, diretor do Museu Real da Indústria de Bruxelas, oficial da Legião de Honra e membro da Academia de Dijon. “Vós vos elevastes de um salto ao nível de Sócrates e de Platão pela moral e pela filosofia estética.” Jobard estava encantado com as revelações de Kardec sobre a “pluralidade dos mundos”.      

     O público poderia, pelas páginas da Revista Espírita, acompanhar o progresso desta nova ciência e se prevenir contra os exageros da credulidade e do ceticismo, explica Kardec. Seria uma “tribuna livre” para discussões “sensatas” sobre o Espiritismo; uma fonte de divulgação de “fenômenos patentes”; canal para a revelação de comunicações dos espíritos “desde que tenham um fim útil”.

     Três meses depois do lançamento da Revista Espírita, em 1º de abril de 1858, A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas passou a ter endereço próprio. Tinha autorização do Estado, para não correr riscos, porque a capital da França estava sob sanção da Lei de Segurança Geral, após atentado sofrido por Napoleão III. Reuniões privadas, como as organizadas por Kardec, eram vistas com reserva e suspeita.


Presidente São Luís


     Kardec assumiu a presidência do grupo e nomeou São Luís “presidente espiritual”. Uma das mensagens assinadas pelo santo serviria de base para o intercâmbio com o Além e posterior divulgação: “Tudo pesar e amadurecer; submeter ao controle da mais severa razão todas as comunicações que receberdes; (...)”

     A mesma orientação de São Luís nos serve hoje de base diante de tantas informações que temos acesso através da Internet. Ter critério, bom-senso, submetendo à análise e ao controle da razão mensagens veiculadas nas plataformas digitais, antes de acreditar e compartilhar.

     Pelo número crescente dos assinantes da Revista Espírita, assim como pelas vendas de O Livro dos Espíritos e aumento de sócios da Sociedade de Estudos Espíritas, Kardec passou a dedicar mais tempo à sua missão. Ele acreditava que com informação e divulgação seria possível vencer preconceitos contra o Espiritismo e provar que havia um mundo novo a se revelar.


Referências

AUBRÉE, M.; LAPLANTINE, F. A mesa, o livro e os espíritos: gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió: EDUFAL, 2009.

BAITELLO JUNIOR, N. A Era da Iconofagia: reflexões sobre imagem, comunicação, mídia e cultura. São Paulo: Paulus, 2014, p. 45. 

HU, Luis. Allan Kardec para Todos. FEB, 2014, p. 20.

SILVA NETO, João D. Entre médium e médium: processos midiáticos na história do Espiritismo. II Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos sociais, p. 2.

SOUTO MAIOR, Marcel. Kardec: a biografia. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2013. 364 p.

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